Maus-Tratos e Reintegração Familiar

“A mim foi o pior, porque batia mais e com mais força. Mesmo com força.”

Quando nos deparamos com crianças vítimas de situações de maus-tratos e negligência conhecemos os momentos de total desproteção e total abandono a que estão sujeitas. E não, não aparece ninguém para os “salvarno último minuto como nos filmes de ficção, estão verdadeiramente entregues a si mesmas, à sua realidade, à sua sorte.

”O que tinha mais medo era quando ficávamos sozinhos em casa, isso é que tinha medo.” São sobreviventes. A angústia e o medo só conseguimos imaginar, às vezes soltam-se partilhas que assustam um adulto: ”Ele é pequeno mas foi esperto atirou primeiro a almofada e depois atirou-se da janela para fugir.” No âmbito da nossa intervenção pensamos em todas as formas de reparação do dano emocional, na construção de memórias felizes, em modelos de relação positivos, afetivos, contentores e de proteção. Mas o passado não é esquecido, e no presente conhecemos o perfil psicológico das crianças maltratadas, a labilidade emocional, os seus mecanismos de defesa, a auto e hetero agressividade, a indisponibilidade para a aprendizagem escolar, a fraca autoestima, a ansiedade e o medo latente, entre tantos outros efeitos nefastos da violência, que certamente moldarão estes que vão ser os pais de amanhã. 

Mediante percursos destrutivos, ambientes familiares desestruturantes, parece-nos que estas crianças têm o direito a não mais passar por experiências semelhantes, a serem realmente protegidas, respeitadas, acarinhadas. Quando se perspetiva a reintegração familiar, a premissa inquestionável deveria ser a garantia de um futuro diferente, de uma resposta familiar afetiva, consistente, cuidadora e protetora. No fundo, que se possa salvaguardar o chavão tantas vezes realçado de superior interesse” da criança.

“Sabes que partiu-lhe o dente?” É exatamente a este ponto é que as crianças não podem voltar. Que se saiba aferir o impacto do mau-trato e da negligência após sarar as feridas físicas, que se saiba acautelar devidamente as condições de reintegração em meio familiar, que se saiba avaliar o verdadeiro impacto de uma intervenção familiar, e que se saiba também perceber quando é a altura de perspetivar um futuro diferente. E, não menos importante, que as decisões judiciais caminhem par a par com o direito das crianças a um futuro melhor.

Não! Os técnicos não são resistentes! Não os técnicos não ”têm medo que as crianças caiam!” Os técnicos têm medo que caiam as responsabilidades quando as as decisões correm mal!

Casa da Criança de Tires
(Filipe Amorim / Global Imagens)